Um homem negro vem caminhando na direção de uma jovem senhora branca às 5 da manhã quando as ruas ainda desertas. Ela pensa: devo mudar para outra calçada? Ele por sua vez pensa: devo mudar para outra calçada? Ela porque sente medo que ele possa atacá-la e roubá-la. Ele porque sente receio de causar medo. Uma pugna imerecida sobre seus ombros mas, que lhe persegue independente de suas intenções. Afinal pensamentos não tem legenda. Ela sente medo, ele receio de causar medo. Claro que em qualquer parte do Brasil, o medo dela poderia ser justificado. E se assim fosse, nele não haveria o receio de causar medo, mas qualquer outra necessidade. Tudo pode ser determinado pela sua origem. Você não escolhe a família, o berço que irá nascer. Assim, estar num lado ou do outro não depende de você. Sua criação, seus costumes e tudo que faz você ser você é atribuído pela manjedoura que foi concebido. Se num berço esplendoroso sentirá orgulho de ser o que é? Do outro lado sentiria raiva? Sim, quando visto como marginal ou quando marginalizado apenas pela sua origem ou condição social é natural que sinta-se frustrado. Quando o julgam pela sua cor, classe social empurram-lhe para marginalidade, sem defesa. Ambos sentimentos: orgulho e raiva, se assentam inconscientes quando começamos sentir na pele as diferenças e, tornam-se conscientes quando estas diferenças tornam-se notáveis. O mundo fecha as portas para um e abre gentilmente ao outro. Ao mais favorecido tudo, ao menos favorecido nada ou quase nada. Existe um contratempo pesaroso sobre nosso conforto quando olhamos para alguém que nos causa desconforto. Anda que não saibamos a origem deste desconforto, ou ainda que saibamos e não o compreendamos ou; não queiramos compreender. Queremos evitar os diferentes. Não os que nos causam compaixão, mas os que nos causam medo, que nos avexam. Por isto orgulho gera raiva porque ele é recriminatório e excludente. O que pra um é motivo de orgulho para outro pode ser motivo de raiva. Estes sentimentos são percebidos quando num outro jogo paralelo ao sentimento do orgulho impera: poder e submissão. Um homem de poucos meios que ao passar por um homem abastado e se curvar diante dele, indica que reconhece neste homem sua superioridade. Esta condição submissa aos olhos do poderoso é agradável e faz com que ele aceite de bom grado o servil. Sua posição esta preservada, estabelecida. Logo se não se sente ameaçado aceita com simpatia o subserviente. Foi estabelecido ali, ainda que inconsciente a relação de poder e submissão, porque cada um assumiu seu papel. A partir do momento em que um homem de poucos meios se rebela de sua condição servil e ultrapassa as fronteiras que até então era vista como inalcançável aos olhos daquele que tem o poder passa a ser visto com indignação.
A mesma situação de desconforto gerada pelo homem de cor, caso a jovem senhora que ele receava assustar mudar para outra calçada só para não se deparar com ele. Estamos acostumados a olhar o mundo de uma forma que nos favoreça, que nos dê a sensação de superioridade e, julgamos que cada uma deva aceitar sua posição conforme sua origem. A quebra deste paradigma causa um sentimento indigesto de contrariedade inconsciente porque não o aceitamos embora não saibamos porque. E, até saberíamos se aceitássemos a inclusão do que julgamos ter direito. Mesmo porque esta inclusão pode ser direito, pode ser mérito, pode ser competência e não consequência da sua origem.
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